quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Precatórios, Guedes e um programa de renda

É curioso observar o esforço de governos para se manterem no poder. A partir da posição que ocupam, mudam vidas, rumos, negócios, enfim, interferem em tantos e tantos pontos básicos e não básicos da vida em sociedade. Hoje o desprazer foi o Ministro da Economia dizer que "há uma indústria de precatórios no Brasil". Eu não me contive (de início pareceu-me uma piada, de verdade), portanto vim "falar" sobre o tema e elucidar questões mínimas.

Por que não temos uma indústria de precatórios no Brasil? Aliás, o que são precatórios? Os precatórios estão previstos no artigo 100 da Constituição Federal. A grosso modo, são como uma fila de espera para que as pessoas que não receberam valores que o Estado deveria pagar, e por isso acionaram a justiça, tenham a garantia de receber. Veja bem, garantia de receber, não o valor em mãos. "Há uma indústria de precatórios no Brasil" soar como piada, se dá pelo fato de imaginar que o próprio Estado estaria dando calote e não efetuando seus pagamentos com a finalidade de fomentar um movimento de ações no Poder Judiciário (gerando mais custo para o próprio Estado) a fim de que os autores das referidas ações ganhem e recebam os créditos... Que são devidos e pagos pelo Estado! Ou seja, direitos que o próprio Estado não pagou, por quaisquer motivos.

Porém o motivo para tais devaneios é claro, lógico e se expressa na prática da vida política, que não vem de hoje.
O governo Bolsonaro não tem lá fortes alicerces políticos. Não à toa, rifou cargos para o chamado centrão, chegando a criar ministérios, acenando positivamente para aqueles que sempre disse repudiar. A necessidade de se manter no poder falou mais alto e agora não é diferente. Por mais que as últimas pesquisas sinalizem 40% de aprovação deste governo, isso é passageiro e o governo sabe disso. Assim que o auxílio acabar, a realidade vai bater à porta dos brasileiros novamente. O mercado não estará recuperado a ponto de ter uma empregabilidade suficiente para que a maior parte da população se mantenha com o mínimo de dignidade (ou seja, não haverá empregos) e pronto, a insatisfação com o governo vai decolar. Sabendo disso, e também baseado em experiências de governos passados, Bolsonaro agora quer tentar o caminho "mais fácil": um programa social que coloque dinheiro na mão dos mais pobres, que são o maior número de votos do país. Deu certo com governos passados, por que não daria com ele?

A fórmula parece simples, porém não é. Ainda há uma pandemia, a economia está em frangalhos e as perspectivas são todas de piora e exatamente por tais fatores que não há de onde tirar numerário para um programa de renda. Sim, não há dinheiro para isto. A tática era tentar tirar dos precatórios, dificultando pagamento de dívidas do Estado e do FUNDEB. Ambas propostas vistas com muita rejeição pelo Legislativo Federal. E novamente, tudo pela política, para se manter no poder, nada além. Não há projeto econômico por trás do tal programa, não há motivo nem mesmo lógica para criar algo que irá onerar mais ainda o Estado. Há, somente, sede de permanecer no poder.

O Brasil não vai bem, ele só tenta disfarçar. O nível de desemprego subiu, a administração da pandemia foi desastrosa (somo uns dos países com o maior número de mortos), a (falta de) política ambiental já prejudica negócios internos e externos, temos uma marca histórica de fuga de capital do país e se eu fosse citar mais problemas, dariam algumas postagens. A última jogada é a medida mais "populista" possível: "dar" dinheiro ao povo com a marca deste governo. O Bolsa Família soa petista, não há lucro político para esse governo com tal programa. A necessidade deles é um programa que, de alguma forma, expresse alguma identidade deste governo.
Não temos nem 2 anos de da atual administração, e o governo já está tomando medidas um tanto "desesperadas" para inflar uma popularidade que pouco tem e tentar uma reeleição em 2022. Desidratar a Lava-Jato também é uma tática, mas esse é outro assunto.

Fato é que, caso haja viabilidade do tal programa de renda, este pode ser a estabilização política desse governo ou o início do seu fim. Não há sustentação com a realidade para tantos desmontes e políticas prejudiciais em tantas áreas no país, somente para agradar certos grupos. O programa de renda é um tiro no escuro. Não garante uma reeleição, mas também não tira a possibilidade. Enquanto isso, seguimos ouvindo e lendo tais absurdos, de que as queimadas são ações de terceiros e que o governo estaria tomando ações eficazes, que há indústria de precatórios, perseguição a parlamentares, governantes e outras pessoas por discordarem do governo, etc. Fiquem atentos, tudo isso será cobrado no futuro.
Um governo inconsequente esquece que o amanhã sempre vem e que a realidade se impõe. Sempre.


 

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Os Degraus de Bolsonaro


 Muitos afirmam que a eleição de Bolsonaro para a Presidência foi o maior “estelionato eleitoral” do país. Afirmação feita no sentido de ele ter prometido fazer algo diferente do governante comum, mas ter atitudes similares, voltadas para si e seu projeto de poder no serviço público, ocupando cargos eletivos (agora, na Presidência da Republica).

Nada que seja surpresa, visto que em seus discursos durante sua vida política e até mesmo em sua conduta como militar, ele já deixava clara sua intenção de conseguir uma ascensão econômica através do trabalho que estivesse exercendo, seja no Exército, como parlamentar, etc.

E uma tática mais que perceptível nesse processo de ascensão, é o uso de “degraus políticos” que o Presidente fez e permanece fazendo, onde somente ele sobe, porém, reflexamente, acaba criando e expondo possíveis adversários.

Um dos primeiros degraus dessa jornada talvez tenha sido Gustavo Bebianno. Coordenador da campanha eleitoral de Bolsonaro de 2018 e posteriormente Ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Bebianno teve uma demissão um tanto confusa e considerada até mesmo covarde, tendo sido o estopim da denúncia do empresário Paulo Marinho contra o senador Flávio Bolsonaro, conforme ele mesmo afirmou. Bolsonaro teria conseguido grande êxito na campanha devido à atuação de Bebianno, e depois de ter chegado ao poder o dispensou, como aquilo que ele mesmo considera suas bases eleitorais: algo de mero uso para alcançar o que quer.

São perceptíveis alguns outros degraus, tanto antes como depois de ser eleito. O discurso antipetista e pró lava-jato foram alguns. Do antipetismo o presidente ainda não se desfez, talvez por ainda não ter precisado. O lavajatismo ele vai desidratando aos poucos. Mas com um interesse específico: enfraquecer uma possível candidatura de Sérgio Moro à Presidência em 2022. Moro pode sim ser um forte adversário, apto a abalar uma reeleição de Bolsonaro. Enfraquecer a Lava-Jato e apontar suas falhas, ressaltando-a como uma operação negativa e não benéfica contra a corrupção, faz parte do jogo eleitoral dele.

Aliás, Sérgio Moro também foi mais um degrau usado na caminhada de Bolsonaro. Talvez o principal. Foi quem colocou seu principal adversário político na cadeia, entoava um discurso anticorrupção e era tido como uma espécie de super ministro. Bolsonaro o usou, até a hora que Moro começou a esbarrar em possíveis ilicitudes da família do Presidente e uma estranha obsessão pelo controle da Polícia Federal do RJ.

Dessa forma, Bolsonaro não apenas deu mais notoriedade a Moro, como também formou um antagonismo perigoso para ele próprio. Moro agora é uma ameaça a seu projeto de poder. Talvez o degrau que tenha custado mais caro a Bolsonaro e que ainda possa cobrar seu maior preço numa futura eleição.

Muito provavelmente o próximo degrau que está com seus dias contados é Paulo Guedes. As atuais divergências do Ministro da Economia com o Presidente são notórias. Guedes já está raspando o fundo da panela, pois sabe que em breve pulará do barco (ou será jogado fora dele). E assim, pode ser mais um possível antagonista de Bolsonaro e também candidato, não à presidência, pela falta de força política, mas se aliando a algum possível candidato (o próprio Sérgio Moro) ou a um governo estadual, etc.

Dessa forma, Bolsonaro segue fazendo uso de movimentos, bandeiras, pessoas, ideias para conseguir se manter. Não lhe importa muito em que acreditar, mas sim o capital político que possa render a ele. O que é perigoso para seu projeto, visto que muitos que saíram de seu governo ganharam força política por antagonizar com o Presidente, tendo ideias de maior receptividade pela sociedade e demonstrando mais empatia e identificação com boa parte do eleitorado. Imaginem uma Chapa de Moro com Mandetta e um Paulo Guedes como possível Ministro. Bolsonaro resistiria?

Talvez seu último reduto, não de degraus, mas de tentativa de estabilidade política, seja o centrão.

O Governo se tornou uma figura dúbia. Muitos não querem vincular sua imagem a ele, porém outros ficam tentados pelo poder, remuneração e notoriedade que poderão ter por fazerem parte dele.

Bolsonaro pensa no agora. No que precisa fazer para se manter. Mas não percebe que, antagonizando com tantos, cria novas possibilidades que ameaçam seu próprio projeto. O tal “bolsonarismo” não dura muito, pois é um movimento auto-destrutivo. Ao mesmo tempo que antagoniza com adversários e até com aliados, dá espaço para que eles ganhem holofotes e se projetem politicamente.