quinta-feira, 28 de maio de 2020

A era das opiniões


O que temos vivenciado nos últimos anos parece ser uma espécie de exclusão (ou desconsideração) de qualquer conhecimento técnico que possa existir, independentemente da área. Não importa mais se alguém é especialista, estudou, dedicou uma vida a alguma causa, estudo, etc. O que parece ter um valor superior a tudo isso é um certo direito à "liberdade de expressão".

Entretanto, não se pode confundir liberdade de expressão com usurpação de conhecimento, de lugar de fala ou termos afins. Impôs-se uma ideia radical que tudo pode ser dito, sem responsabilidade, sem sequer haver algum comprometimento com a realidade. Porém, lembremos: opiniões mudam, os fatos, não.

Esse pressuposto parece básico, entretanto vivemos na época que o óbvio se perdeu, então precisa ser dito. Sob o manto da liberdade de expressão, muitos se aproveitam para mentir, acusar falsamente, caluniar e sim, opinar em assuntos técnicos mesmo sem conhecimento para tanto.

É importante separar liberdade de expressão de conhecimento. Sim, pasme, é importante, em pleno 2020, mostrar tal diferença. Basta lembrarmos que, ainda hoje, pessoas contestam o formato da Terra.

Não há proibição em se expressar. O artigo 5º, inciso IX e o artigo 220 da Constituição garantem a liberdade de expressão, bem como outros postulados também garantem. Mas a regra é clara: não se proíbe aquilo que se quer expressar, contudo quem o faz, arca com a responsabilidade pelo que expressou. Acho estarrecedor ser necessário explicar isso ainda hoje.

O que surgiu nesses últimos tempos foi uma ideia de criminalização da responsabilidade pelo que se diz. O que parece que se quer impor é a liberdade irrestrita. Tal discurso soa perigoso, pois o próprio conceito de liberdade de expressão é subjetivo, cabe a cada um. O que se viu com a recente operação da Polícia Federal contra uma rede de disseminadores de fake news, foi justamente a busca da responsabilização daqueles que usam do brocardo da liberdade de expressão para mentir, difamar, caluniar e passar em muito o limite do citado princípio. Mentir sobre algo e disseminar isso para convencer terceiros de que seja verdade, não é, e nem pode ser considerado liberdade de expressão. A fuga da responsabilidade pelo que se diz, a busca pela impunidade por mentiras que invetam, parece ter se tornado regra para determinados grupos da sociedade.

Para tais pessoas, aparenta que vale a máxima: "se não tenho algo contra você, eu invento".

Estamos aceitando, passivamente, que a verdade possa ser relativizada, que os fatos não são fatos, mas mera questão de opinião. Reduz-se acontecimentos, estudos, dados a pontos de vista. E não, não são.
O maior ataque desses grupos são as ciências humanas. Sim, eles realmente pensam que se trata de uma questão de opinião. Não importa o tempo de estudo, formação, especialização, para eles, a opinião é que vale, mesmo que não tenham conhecimento técnico. E tristemente vejo que não são apenas as ciências humanas que estão sendo vítimas dessa deturpada "liberdade de expressão".

Basta lembrarmos que nosso Presidente aconselha o uso de um medicamento contra o coronavírus, sem ter qualquer formação médica, passando por cima da palavra de dois médicos, e sim, mantendo no pasta da Saúde alguém também sem uma formação médica, tudo para emplacar o remédio (político) que acredita ser uma espécie de cura. E qual base de conhecimento para tal? Nenhuma.

O que falta hoje é o reconhecimento do limite para se opinar, pois se levarmos essa lógica ao extremo, poderíamos muito bem chamar um carpinteiro quando tivéssemos problemas de saúde, um médico quando quisermos processar alguém ou um sociólogo quando o motor do carro parar de funcionar. Mas a realidade é imbatível, ela se impõe, mostra o contrário, mesmo que a distorção da realidade seja aquilo que se vocifera. Ou seja, no fundo, é um ideal hipócrita.

Não há espaço para relativizações de conhecimentos consolidados, mas sim para debates em torno deles. A base para opinar deve vir, necessariamente, carregada com conhecimento, senão perde qualquer valor que se possa atribuir. A liberdade de opinião, bem como qualquer outro direito, tem limites. A exploração deste dogma para inventar, caluniar e cometer delitos, a fim de convencer outros da "verdade" que se deseja, deve sim ser responsabilizada. Não vivemos em um Estado anarquista.

Hoje faz-se mais que necessária a valorização profissional e das ciências, em todos os campos. Faz-se necessária a responsabilização daqueles que usurpam o princípio constitucional da liberdade de expressão para agredir, inventar, caluniar e ocultar a realidade com interesses escusos. Que entoam ideais autoritários, tentando colocar a liberdade de expressão como justificativa. Não, não é.
Faltou-nos bom senso para eleger mais um governo, para perceber que estávamos dando voz aos burros.

A liberdade, assim como qualquer outro direito, não é irrestrita. A responsabilização também é constitucional. Falta às instituições se tornarem, novamente, instituições, para que se faça valer nosso status de Estado.


terça-feira, 26 de maio de 2020

Operações Políticas

Eu faço escolhas dos meus candidatos baseado, basicamente, na lisura deles, visões sobre vários aspectos da sociedade, propostas, dentre outros critérios. O atual governo do RJ não foi minha escolha, nem mesmo seu opositor.

Uma pandemia é prato cheio para aqueles que estão no Poder Público e desejam ganhar uns milhões a mais. Superfaturamento de equipamentos, obras e todas as manobras corriqueiras de políticos aqui no Brasil ganham força com uma situação dessas. Um roubo covarde, como todo roubo.

Mas sempre temos os “mas”. Para mim, é latente a perseguição que o Presidente da República faz no governo carioca pelo fato do Ministério Público estadual investigar e mostrar fortes indícios de crime de um de seus filhos. A ânsia do Presidente em trocar o comando da Polícia Federal SOMENTE no RJ, deixa clara a vontade dele de tentar ter as rédeas de quem pode ser investigado no Estado, excluindo, obviamente, seus familiares.

Curiosamente, após as trocas na Polícia Federal, a mesma pediu arquivamento do inquérito contra Flávio Bolsonaro, sem nem mesmo quebrar os sigilos do mesmo para correta apuração, porém o Ministério Público discordou e a investigação seguiu, o que incomodou o pai do senador.

É importante nos atentarmos para tudo que está acontecendo e não deixar certas cortinas de fumaça ofuscarem nosso olhos. É indiscutível que deve haver investigação sobre esquemas de corrupção por conta da pandemia, do governo de qualquer estado, e condenar quem tiver de ser condenado. Por outro lado, devemos atentar para operações da Polícia Federal que nascem da noite para o dia, com buscas e apreensões contra governos estaduais (principalmente quando se tratar do RJ), e com conhecimento prévio da deputada Carla Zambelli, por exemplo, da base governista. Curiosamente tudo aquilo que o anterior Ministro da Justiça se opunha a fazer. Muitas “coincidências”, não?

Minha aposta aqui é: as próximas vítimas de uma velada perseguição do Presidente a governadores que ele não tem apreço são os governos de São Paulo, Ceará, Maranhão, etc.

Fiquemos atentos, temos alguém que usurpa instituições para emplacar suas ideologias e proteger sua casta, que se utiliza da democracia e de prerrogativas que tem para calar quem se opõe a ele e seus ideais pessoais que projeta na sociedade. Ditaduras também já foram construídas através da democracia. Governantes que protegem “os seus”, temos vastos exemplos. Nada disso é surpresa, o que é necessário agora é prezarmos pelo diferente de tudo isso.

Agora estão sendo construídas narrativas da próxima eleição presidencial. E podem apostar, operações como essa e outras que virão, estarão no discurso político para reeleição. O principal pilar anticorrupção (Sérgio Moro) já pulou do barco, é preciso que o Governo se mostre combativo nesse quesito. Portanto, coisas assim podem começar a aparecer, mas nunca contra o Presidente ou os seus. O que me parece é que agora, tenta-se manchar a imagem de possíveis candidatos para que se garanta uma reeleição do governo atual, por pior que ele seja.


A velha política costuma adquirir novas formas.

sexta-feira, 22 de maio de 2020

Jair parou em 86

Esse Jair mesmo, esse que governa o país. Talvez o título soe, para alguns, meio anacrônico. Talvez você tenha pensado que o correto seria 1964. Porém, não.

O Presidente que temos hoje não é aquele deputado revoltado, que brada discursos de ódio, etc. O que temos é aquele militar, capitão, preso quando escreveu em uma seção da revista Veja, reclamando de baixos salários. Aquele militar que ajudou a organizar a operação Beco Sem Saída, que consistia em explodir bombas em banheiros de um quartel, o que culminou em sua condenação pelo Conselho de Justiça Militar.

Sim, Jair ainda é esse oficial revoltado, que nas palavras de seus superiores á época, tinha uma "excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente".

Jair não progrediu, tentou buscar na política uma saída para corrigir aquilo que julgava como injustiça contra si. Jair crê, ainda, que comunistas programavam tomar o poder no Brasil em meados dos anos 60. Ele ainda está, na cabeça dele, combatendo esses tais comunistas.

Jair vê como perseguição todo o aparato legal o qual seus filhos e ele tem suspeitas de infringir. Vê como perseguição quem fiscaliza esquemas de rachadinha, repasse de verbas de comissionados e todos esses esquemas já conhecidos de deputados do chamado “baixo clero”. Todo e qualquer movimento a fim de corrigir as infrações de Jair à lei, ele chama de perseguição, de comunistas querendo pegá-lo, tomar o poder, etc.

E isso é o pior de tudo. Caso tudo isso fosse jogo político, não seria tão ruim. Veríamos alguém se adequando e trocando o disco certas vezes, para permanecer no jogo, como o Lula que diz frases desastrosas, mas “se desculpa”, pois sabe que isto o mantém em voga. Jair, não. Jair crê, convictamente, em tudo aquilo que elencou como verdade. Em tudo aquilo que elege como verdade, mesmo que não seja.

Estamos à deriva, nas mãos de um capitão conspiracionista, que precisa constantemente de um inimigo para combater, pois perdeu a batalha contra o Exército em 1988. Foi obrigado a engolir a seco o fato de que estava atentando contra a lei na busca por ser uma autoridade, pelo poder puro e simples, conforme descrito pelo coronel Carlos Pellegrino de que ele "tinha permanentemente a intenção de liderar os oficiais subalternos, no que foi sempre repelido, tanto em razão do tratamento agressivo dispensado a seus camaradas, como pela falta de lógica, racionalidade e equilíbrio na apresentação de seus argumentos". A partir daí, Jair permaneceu a mesma pessoa que é hoje.

Esse é nosso maior perigo. Alguém que está disposto a tudo, inclusive a desrespeitar a Constituição, como o faz corriqueiramente, para sobrepor aquilo que acredita, pois acredita com todo afinco, para impor aquilo que crê como sendo verdade. Aquilo que na prática, não existiu na época, menos ainda existe hoje.