
O poder constituinte brasileiro, que resultou na Constituição de 1988, formou-se sob um prisma político, e, talvez pela ávida procura por organização e interesses de poderes, foi determinado de uma forma um tanto duvidosa.
A emenda constitucional n.º 26, de 27/11/1985, convocou a Assembléia Nacional Constituinte para que se fizesse a nova ordem constitucional. Soa estranho, não? Uma emenda constitucional que convoca uma assembléia constituinte para dar vida a uma nova constituição? Sim, foi assim que ocorreu.
Devido a este fato, existe divergência doutrinária quanto ao poder constituinte de 1988 ter sido condicionado ou incondicionado.
Primeiro, expliquemos: diz-se condicionado um traço do poder constituinte derivado. Condicionado, como aduz Alexandre de Moraes, ''porque seu exercício deve seguir as regras previamente estabelecidas no texto da Constituição Federal.''
E incondicionado, já no campo do poder constituinte originário, pois não há solenidade prevista para sua manifestação. Não há norma ou qualquer tipo de regra anterior para que este seja exercido.
Pois bem, ao dizermos que o poder constituinte de 1988 surgiu a partir de uma emenda a antiga constituição de 1967, podemos afirmar que este foi condicionado? No entendimento da doutrina majoritária, não. Porém, creio não podermos fazer tal afirmação. Vejamos: a constituição é uma nova ordem jurídica. Sendo esta, portanto, a base de um novo ordenamento jurídico, não há lógica que a constituição, que será expurgada devido a nova que virá, determinar como deve ''surgir'' o poder constituinte.
Autores afirmam que não houve condicionamento, pois, apesar de ter sido iniciado por meio de uma emenda constitucional, a mesma não tratava do que seria debatido na assembléia nacional constituinte. A mesma seria ''livre e soberana", nas palavras da própria emenda. Creio que mesmo sem regular o teor das discussões, face a nova constituição que viria, não pode um poder constituinte ser considerado incondicionado se este mesmo proveio de uma norma constitucional (emenda constitucional). O questionamento é o seguinte: caso não fosse criada, por meio da emenda constitucional n° 26, de 27/11/85, a Assembléia Nacional Constituinte, esta existiria? Se não fosse pela emenda, não haveria constituinte. A condição é a própria emenda. Mas, vale lembrar que não houve por parte da emenda requisitos ou exigências sobre o teor do que seria debatido na constituinte. Portanto, não digo que foi um poder constituinte condicionado ou incondicionado, mas sim, semi-incondicionado.
Não havendo a emenda constitucional n° 26 de 27/11/85, não haveria a constituinte. Esta é a condição. Porém, como não houve critério sobre o debate dos rumos ideais da nova constituição, pode-se dizer, que neste sentido, não houve vinculação.
Muitos alegam que a criação da constituinte via emenda constitucional deu-se por motivos de organização estatal, de mera burocracia. Certos autores afirmam que nosso processo de criação de nossa constituição foi civilizado, devido a emenda que teria vindo com cunho meramente organizacional, sem sangue derramado na luta por uma democracia.
Tal discurso soa um tanto furtivo de ideias. Sabemos que o poder sempre foi exercido de cima pra baixo no Brasil, apesar de todo governante tentar passar o contrário colocando essas ideias em leis e afins. Mas na prática, acontece o contrário.
Nossa independência foi ''conquistada'' por aquele já imperador. Imperador declarando independência? Se pararmos para pensar, soa contraditório. Ora, se este ja era imperador, que diferença faria ser ou não independente? Já existia um imperador, uma figura de poder. Independentes ou não, continuaríamos sobre as ordens do imperador. Eu não chamaria exatamente de independência, mas sim, de um corte de vínculos mais profundos com nosso colonizador.
Portanto, afirmar que o poder constituinte de 1988 foi por completo incondicionado, não seria totalmente correto. O poder constituinte incondicionado de fato, independe de norma que o crie ou que o dê possibilidade. Muitos ligam esta ideia a de revolução. Porém, caso não houvesse a emenda n° 26 em 1985, com base em que pode-se afirmar que o poder constituinte seria feito na ponta das baionetas? Não há base científica para afirmar tal alegação. Poderia o poder constituinte nascer de plena vontade do povo, ingressar para formulação de uma nova constituição sem estar vinculado a uma emenda constitucional da antiga constituição. Não é o fato de não estar normatizado que não seria organizado.
Vejo esse tipo de idealismo um tanto positivista e radical. E, na minha humilde opinião de mero estudante, creio que o poder constituinte ter surgido de uma emenda constitucional, deu-se por fatores políticos. Não é necessário comentar que tal emenda foi expurgada por parlamentares, sem consulta prévia a população. Como exprimi em linhas anteriores, no Brasil, o poder sempre veio de cima para baixo. Não seria já em meados da década de 80 que as regras do jogo iriam mudar.