domingo, 17 de janeiro de 2021

Jogada de Mestre

Enfim entramos em 2021 e, agora mais do que nunca, o jogo político para as eleições do ano que vem vai se desenhando. E hoje, dia 17 de janeiro de 2021, é o dia em que a primeira pessoa foi vacinada contra o coronavírus no Brasil. As consequências políticas disso a gente vai debater aqui.

Quem mais endossou uma das duas vacinas autorizadas pela ANVISA para uso emergencial no Brasil, foi João Doria. O governador de São Paulo não só investiu e elaborou, através de secretários e servidores, a logística e demais adendos para que houvesse uma vacina, mas endossou publicamente todo o trabalho que estava sendo feito para obtenção da vacina. Como nosso Presidente politiza tudo e com a vacina não seria diferente, Doria também resolveu entrar no jogo. E venceu.

Ao antagonizar com Bolsonaro, Doria tinha condições econômicas, administrativas e operacionais de produzir o imunizante e vacinar a população de São Paulo. E talvez não só de São Paulo. Aproveitando-se disso, o governador investiu pesado para que a publicidade da vacina alcançasse territórios além de São Paulo, o projetando politicamente. Projetando a imagem de que foi ele quem conseguiu a vacina. Ou seja, foi ele que "trabalhou pelo povo".

Tudo foi milimetricamente calculado. A escolha da primeira pessoa a ser vacinada é prova disso. Negra, mulher, servidora pública da área de saúde. Só aí já há comunicação com diversos setores da sociedade tão afetados em 2020 por simpatizantes do atual Governo Federal e, por vezes, pelo próprio. Além destas consequências político-sociais, há também as externas, como um aceno para a China (país que nosso Governo faz questão de manter uma relação ríspida), visto que a parceria do Instituto Butantan é com a Sinovac Biotech, empresa chinesa e sim, também para os EUA, que terá um governo democrata, opositor de Bolsonaro, a partir do dia 20 de janeiro de 2021. Ou seja, as duas maiores potências econômicas do mundo. E as consequências vão além.

O Ministro da Saúde, devido à briga política, afirmou na coletiva em que fez também no dia de hoje que Doria feriu a lei e que medidas judiciais a fim de fazer uma requisição administrativa (que é, a grosso modo, quando o Estado "pega" algo a fim de suprir o interesse público) poderão ser tomadas. E daí pode haver outras consequências, visto que o Ministério da Saúde firmou parceria com o Instituto Butantan, portanto, seria ilógica uma requisição administrativa. Tal medida pode, novamente, soar negativamente para Bolsonaro. Poderá ser vista como se o Governo Federal estivesse tentando atrapalhar a vacinação, quando, na verdade, quer (também) roubar o protagonismo, coisa que é improvável, visto que a imprensa já noticiou e publicou o vídeo em que a primeira vacina é aplicada em uma cidadã brasileira e Doria estava ao lado dela. Além do mais, havendo uma quebra da parceria pelo Ministério da Saúde com o Butantan, Doria então poderia comercializar a vacina para suprir municípios e estados. Ou seja, é difícil que o Governo Federal não perca essa.

Na realidade, essa batalha política já foi perdida por Bolsonaro. Passou meses refutando a vacina, afirmou que não compraria, porém não negociou nenhuma outra, fez o que este governo faz: ficou inerte. Não há espaço vazio na política, e esse deixado pelo Governo Federal está sendo preenchido por João Doria. Eu não gostaria que realmente saíssemos do atual governo para um possível governo Doria, acredito em outras opções, porém é inegável que ele soube jogar muito bem e captar mais ainda os holofotes para si. Tornou-se, a partir de hoje, um dos principais ou até o principal rival de Bolsonaro em 2022. A vacina era algo esperado e desejado até mesmo por uma parcela de eleitores e apoiadores de Bolsonaro. A inércia do Governo Federal foi percebida e Doria se sobressaiu suprindo aquilo que deveria ter sido feito pelo Presidente e seus ministros.

O único possível trunfo que Bolsonaro poderá tirar desta batalha, será uma provável ação no STF quanto à requisição por parte do Governo Federal das vacinas produzidas por SP, e uma esperada negativa da suprema côrte, reforçando então a falácia da ala governista e ideológica de que o STF "não deixa o Bolsonaro trabalhar".

No mais, foi uma batalha perdida, uma consolidação de Doria como possível candidato em 2022 e talvez como maior antagonista de Bolsonaro, que pode mudar o rumo do pleito do ano seguinte, sendo este ainda uma incerteza. Caso continue trabalhando da mesma forma, há reais chances de Doria se consagrar Presidente da República. Porém, aguardemos. Ainda há muito o que acontecer neste e no ano que vem.