sábado, 5 de fevereiro de 2011

O pensamento jurídico popular brasileiro



Sabe-se bem que o ser-humano é, por natureza, um ser julgador. Julgamos a todo instante, sejam coisas simples ou complexas, nosso instinto de tentar conduzir e dizer como deve se proceder em uma situação faz parte de nossa natureza.

Tendo o costume de observar o comportamento das pessoas,  vejo que o senso de jurisdição do brasileiro é um tanto hipócrita. Antes de mais nada, se acalmem: não me refiro a todos os brasileiros, mas, da maior parte. Não possuo dados científicos para pautar-me sobre tal afirmação. Porém, creio que o que escreverei aqui muitos irão entender.

A altercação que ocorre nas relações inter-humanas é quase sempre sobre direitos que cada qual possui, possuiria ou não. Litígios estes que estão ligados ao senso de justiça subjetivo, áquele que toda pessoa tem e que acha ser o correto, o justo. Geralmente este senso está ligado aos conceitos morais e sociais de cada um, há pouca imparcialidade nos pensamentos. Cada um age de acordo com as regras que são convenientes, regras essas provindas da própria criação, da cultura a que teve acesso, da personalidade, provindas da essência de cada um e de conceitos internos.
Após tal explicação, vejamos o porquê da hipocrisia citada anteriormente.

Seguindo esta lógica, sabe-se que as pessoas, em sua maioria, conhecem seus direitos, pelo menos os mínimos direitos constitucionais, como direito a educação, a vida, a saúde, alimentação, etc. Não entremos na questão destes direitos serem ou não providos pelo poder público, até porque já sabemos a resposta.
A partir dai, pode-se observar tal hipocrisia, calcada naquilo que é pouco conhecido como direito, mas deveria ser. Para elucidar a questão, exemplifiquemos: dia desses, em mais um dia comum, ouvi um colega reclamar de ter levado uma multa de trânsito devido a excesso de velocidade. Dizia ele que estava a uns 46km/h, sendo o limite no trecho de 40km/h (o trecho possui um radar de velocidade). Perguntando-me o que faria, disse que contestaria a tal multa, iria alegar que recebera uma ligação de urgência de um parente com problemas de saúde, e, devido a isso, acelerou seu carro acima do permitido. Achei curioso, pois alguém que está aflito devido a problemas de saúde de um parente não estaria a meros 46km/h. Bem, não irei fazer juízo de valor sobre isto. O fato é que, este mesmo colega, dias depois criticava um caso retratado em um jornal sobre um acidente entre dois veículos devido a velocidade excessiva. Nada de grave ocorreu no acidente, foi apenas uma leve colisão.
Mas ficou claro para você que lê este post o senso falho de justiça? Ao criticar o acidente, tal colega dizia-me sobre punições, e implantação de sinalizadores de velocidade (os famosos pardais), os mesmos que o fizeram contestar sua multa pelo mesmo motivo: excesso de velocidade.
Por que seria injusto com ele a aplicação deste método para conter velocidade e com outras pessoas seria justo? Em seu julgamento, mesmo sendo sobre um questão própria, não houve imparcialidade. Digo isso pois no fim ele disse-me até em falar com um conhecido de um conhecido que conhece alguém no departamento de trânsito para tentar ''dar um jeito'' na multa.
Ou seja, caso seja com ele, pode-se dar um jeito, porém, para outros, o sistema deve funcionar. Só para matar a curiosidade: por fim ele acabou pagando a multa.
Citei este caso apenas como mero exemplo, porém, existem muitos outros já vivenciados por mim e pessoas do meu âmbito de relações que possuem o mesmo enredo.

Vemos isso a todo instante, pessoas que contradizem seus próprios conceitos em razão de benefício próprio. Contudo, penso que seja diferente: não há uma contradição de princípios, mas sim, este é o próprio princípio. Quando o Estado quiser punir o outro, ok, mas quando for aquele que esta periclitando de tal punição, tem sempre o tal ''jeitinho''. E o que causa mais incômodo é isso, esse tal ''jeitinho''.
Penso que regras foram feitas para ser seguidas, ja contendo em si as exceções possíveis. Não se pode generalizar e dizer que as leis são justas e sociais, porque não são. Porém, o brasileiro tem a capacidade de criar a regra, a exceção, e a exceção da exceção. Vemos isso a todo instante partindo dos chefes do poder público.

Pra tudo há uma solução, mesmo que não haja. A vontade de fazer prevalecer a vontade particular acima das leis, das normas, muitas vezes normas não só legais, mas as morais também, é o que causa tal baderna na administração de recursos públicos em nosso país (país?). E o problema maior é que isso vem de cima pra baixo. Os piores exemplos estão nos cargos mais altos dos Poderes brasileiros. Ou será que o caso do deputado Romário, ex-futebolista, faltar a primeira sessão legislativa para se deleitar nos prazeres dos esportes praianos seria um exemplo de boa conduta? Não é necessário responder. Não é um trabalho qualquer, não é jogar futebol, é ajudar a criar leis para este país, a tomar medidas sociais para estudar a melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira, é estudar setores da sociedade, verificar as relações comerciais, industriais, sociais, de cada grupo de expressão ou de minorias, ajudando-os a terem leis que protejam seus direitos e criem os direitos que ainda não existam, ou restrinjam outros. Mas como sabemos, este trabalho, que deveria ter toda essa seriedade, é tratado assim, como se nada fosse. O pior é as pessoas rirem dessas situações e acharem engraçado.
E é aí que é calcado o pensamento jurídico popular brasileiro: ''se tiver que fazer, mas eu não quiser, tem um jeitinho.'' Desta forma, infelizmente segue a nossa tentativa de organizar uma sociedade por volta de 190 milhões de pessoas.

Enquanto forem feitas leis que os próprios criadores as desrespeitem, não podemos esperar que a população as respeitem.

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